Madrigal
Nos anos 1960 a minha família mudou-se de Caxias, cidade do Maranhão próxima a Teresina (Piauí), para o Crato, no sul do Ceará, onde vivi minha "primeira" juventude. Nessa época, integrei o Madrigal Intercolegial do Crato. Sua fundação, entre 1959 e 1960, contou com o estímulo e o apoio do Monsenhor Francisco Montenegro, diretor do Colégio Diocesano.
Desde sua criação o Madrigal brilhou, sob a regência, os cuidados e o carinho da maestrina Bernadete Cabral.
O grupo era formado por vozes masculinas e femininas de estudante oriundos de diversas instituições educacionais da cidade, como os colégios Santa Tereza, Madre Ana Couto, Dom Bosco e Colégio Estadual, além do Colégio Diocesano, já mencionado.
A expressão madrigal surgiu no século XIV, no Norte da Itália, de onde se difundiu pela Europa. Refere-se a uma composição poética que exprime um sentimento galante, terno e amoroso.
Geralmente, era um texto com grande efeito dramático, escrito para ser musicado e cantado. Além da origem italiana, não há consenso sobre o significado da palavra madrigal.
Considerando que madrigal sugere uma ligação com a palavra madre (mãe), é provável que ela se refira a textos e músicas escritos e cantados em uma língua materna, diferenciando-se das composições escritas em latim.
Um madrigal seria, portanto, um texto poético cantado na língua do próprio país.
O Madrigal Intercolegial sempre foi tratado carinhosamente pelo público cratense. Cada apresentação sua no Crato era mais um sucesso.
Também nos apresentamos em Fortaleza, na Universidade Federal do Ceará; em Recife, no Teatro Santa Izabel; e em outras cidades da região Nordeste. As viagens do Madrigal para se apresentar em diferentes lugares também foram momentos prazerosos.
Em 2009, comemoramos os cinquenta anos de fundação do Madrigal. A maioria dos antigos integrantes, hoje vivendo em diferentes localidades, retornaram ao Crato. Fizemos uma apresentação com o teatro (o antigo Cine Moderno) completamente lotado. Foi uma belíssima festa.
Para mim, a temporada no Madrigal foi uma experiência inesquecível, que me marcou profundamente. Tanto no que diz respeito a amizade que se formou entre os participantes quanto no que se refere a alegria de cantar.
Nunca tive pretensões de ser cantor. Mas com a voz grave, de baixo profundo, foi inevitável participar daquele coral. Também participei do coral da Escola de Música da Universidade de Brasília.
No Madrigal do Crato, além da voz grave, as músicas que eu solava eram bastante apreciadas pelo público. Recordo de algumas músicas que cantei, como o Uirapuru, Leva Eu Sodade, Lagoa do Abaeté e o Vale do Rio Vermelho.
Jornalismo e Rádio
Também nos anos 1960, trabalhei na Rádio Araripe do Crato. Além do trabalho diário, nos fins de semana, tinha a liberdade de fazer os programas que eu próprio criei. Um de esportes: Sete dias de esporte em revista, que misturava as notícias esportivas com humor.
No domingo, às nove horas, eu apresentava o programa Festa de arromba, dedicado à jovem guarda, evidentemente.
Às dez horas era a vez de Samba & Bossa. Este era um programa engajado que, ao lado das belas canções da bossa-nova, apresentava as músicas de protesto.
Algumas vezes o programa levava ao ar o Show Opinião, com a participação de Nara Leão, João do Valle e Zé Keti; Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo; e Liberdade, Liberdade , de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, com Paulo Autran, Teresa Rachel, Claudio Mamberti.
Também apresentei o programa da UEC (União dos Estudantes do Crato) na Rádio Educadora.
No clima de efervescência dos anos 1960, criamos jornais murais nos colégios Diocesano e Estadual.
Publicamos jornais mimeografados, como o jornal Nossa Opinião e jornais impressos como o Vanguarda e o Radar. Nesses jornais divulgávamos nossos artigos, poemas e contos, cujos conteúdos abordavam, principalmente, os problemas sociais, as desigualdades e o atraso do Brasil.
Também publiquei contos no jornalzinho do Banco do Brasil, editado por Manoel Patrício de Aquino
Ainda em meados dos anos 1960, escrevi uma coluna semanal no jornal Folha do Cariri.
A coluna versava sobre o que acontecia nas cidades da região, durante a semana.
As minhas fontes de notícias eram os meus colegas do Colégio Diocesano, oriundos daquelas cidades. Certa vez um colega me passou uma informação que prejudicava o adversário político de sua família.
Não havia como checar e nem eu tinha essa orientação. Isso causou-me um grande problema, que precisou da intervenção do meu pai...
Trabalhei, também, no jornal A Ação, um vibrante hebdomadário publicado pela Diocese do Crato. Trabalhamos sob a direção do, então, Pe. José Honor e a orientação dos jornalistas Humberto Cabral e Antônio Vicelmo. Além de mim, também faziam parte da equipe Orlando Moura, Emerson Monteiro e Armando Rafael (abaixo, imagens de alguns colegas de Rádio e Jornal, como o Pe. Honor, Cabral, Vicelmo).
Foi na gráfica, onde se imprimia o Jornal A Ação, que conheci o grande xilógrafo do Crato, Valderedo Gonçalves.
Tanto em rádio quanto em jornal, foi um trabalho prazeroso. Na Rádio Araripe eu ganhava algum dinheiro. Mas meu pai deixava claro que não queria que eu me dedicasse ao radialismo... Também não era a minha intenção.
Mas minha passagem pelas rádios e jornais foi um grande aprendizado. Eu queria estudar Jornalismo; queria escrever.
Na época, também pensava em estudar Antropologia. Somente anos depois, em Brasília, descobri que estudar Arquitetura e suas áreas diversas me proporcionaria englobar meu interesse por Arte, História, Antropologia, Urbanismo, Sociologia, etc.
Poesia, Teatro e Música
No final dos anos 1960, muitos colegas de colégio, amigos e outras pessoas realizavam alguma atividade cultural. Naquela época, escrevemos e recitamos poesias, encenamos peças de teatro e, com alguns, fomos parceiros em várias composições musicais.
Sob a liderança de Clenilson, criamos o Jogral Pasárgada. Se não me falha a memória, Gilva, Eros Volúsia, Bebeto, Emerson também faziam parte do jogral. Recitávamos poemas de Vinicius, Drummond, Bandeira, Ascenso Ferreira e outros. Nossas apresentações eram sucesso garantido.
Participei, como ator na peça O chalet à beira da estrada, contracenando com o professor Alzir, sob a direção de Ronaldo Correia.
No Auto da compadecida, que foi encenada no Crato e em outras cidades da região, fiz o papel de Jesus. Colaborei para a encenação de Vidas Secas, uma adaptação do romance de Graciliano Ramos feita por Assis de Souza Lima e Ronaldo Correia.
Em 1967, realizamos o I Festival de Arte e Cultura Estudantil do Cariri, de cujo programa constava teatro, exposição de pinturas e o lançamento de um livro. Foi tudo muito difícil de organizar; caminhávamos entre a improvisação e a precariedade. Mas, para nós, o mais importante era nossa vontade de fazer alguma coisa; e a alegria de ver a coisa realizada.
Entretanto, o livro Crato Jovem 67 foi uma grande decepção. tratava-se de uma coletânea de contos e poemas, cuja seleção foi feita sem critérios claros. O livrinho não compensou o esforço que fizemos para publicá-lo. Foi frustrante. Não era representativo do que estávamos produzindo então.
A exposição de pinturas, com temas, técnicas e qualidades variadas, foi instalada na área coberta do prédio da Rádio Educadora.
A peça Imbuança foi encenada no auditório da Fundação Padre Ibiapina. O espetáculo de teatro, escrito por José Esmeraldo Gonçalves e eu, misturava textos, poemas e músicas de vários autores, tendo como referência a peça Liberdade, Liberdade.
Influenciados pelas letras das músicas e pela poesia da época, nós também sonhávamos com um mítico amanhã, impregnado de democracia e liberdade.
A referência mais importante era o poema de Tiago de Melo: Faz escuro, mas eu canto porque o amanhã vai chegar...
No final da peça Imbuança os atores desciam do palco de braços abertos, caminhando rumo à plateia e cantando Amanhã, de Luciana de Souza e Walter Santos.
Um folheto distribuído durante o festival falava dos nossos anseios:
Imbuança é a certeza de que o amanhã virá;
de homens livres; de homens felizes; solidários; e desenvolvidos.
Imbuança significa um pouco do que podemos fazer
em prol da paz nesse tempo que é de guerra.
Quanto as músicas que fizemos, ainda me lembro das letras e, de algumas, recordo vagamente as melodias.
Uma dessas músicas, de autoria de Francisco Silvino com quem tive o privilégio de colaborar, Pra te confessar, venceu um festival, e foi editada em CD. As outras não.
José Nacélio, violonista que participou de Imbuança, foi parceiro na boemia e na música. Ainda me lembro de duas músicas que compusemos, entre 1966 e 1967, no Crato. Por não tocar nenhum instrumento musical, eu sempre escrevia as letras.
Uma dessas músicas se referia à guerra do Vietnam.
A letra, salvo algum esquecimento, é assim:
Morre o dia vai o sol. Passa a tarde cai a noite. Lá no arrozal imenso sob o fogo do napalm nasce gente. Só porque outro dia vai morrer: mais um homem outro homem nascerá no arrozal. Nasce o dia vem o sol. Passa a tarde cai a noite. Lá no arrozal imenso sob o fogo do napalm morre gente. Só porque outro dia vai nascer: mais um homem outro homem morrerá no arrozal.
A outra canção, em parceria do Zé Nacélio, foi composta com parte de uma peça de teatro, que eu estava escrevendo, mas que nunca foi concluída, e se perdeu...
Como a peça, a música se chamaria Miguel e os três pães. Tratava-se da história de um trabalhador que roubou pães para alimentar a família e, por isso, foi preso:
Miguel cuidado com a vida. Cuidado com a noite. Cuidado com o dia. Cuida de Maria que a vida está dura está cara. Não dá pra viver. E se a dita e dura pra que esquecer que o dia vem vindo que o sol vai nascer trazendo a bonança trazendo a esperança. Miguel vai e não tarda. Miguel vem que é tarde. Mas é liberdade. Mas é liberdade…
Mais tarde, em meados dos anos 1990, nas idas de Natal (RN), onde morei de 1979 a 2021, ao Crato, fiz outra música com Francisco Silvino, a partir de um poema meu, que comemorava a independência das colônias portuguesas na África [Guiné-Bissau].
Em 2004, a canção Pra te confessar, já mencionada, foi classificada em primeiro lugar no Festival SESC da Música Cearense. A autoria da música e letra é de Francisco Silvino. Eu apenas colaborei com a letra.
Eu já caminhei muito chão. Não quero mais andar em vão. Eu vim pra te confessar que no sertão, como no mar não resta tempo pra viver. Amar, nem é bom lembrar. As ondas desse mar que não se contam pra onde vão? É como esse sertão em romaria... Me dá um chão. Me dá de beber. Me dá um vinho. Me dá um pão. Nas buscas que eu fiz nesses caminhos só tive não. Quantas velas acenderei pra esse meu santo padrinho? Quantas léguas amargurei por esse chão que caminho?
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